Artigo publicado na revista Visão Jurídica de nº 81.
A presunção de inocência é uma das mais importantes garantias do acusado, pois através dela este passa a ser sujeito de direitos dentro da própria relação processual, tendo em vista que, até que se prove o contrário, o réu é presumidamente inocente.
Destarte, o processo penal existe não só para castigar o delinqüente, como também para evitar que sejam castigados os inocentes.
Sobre o assunto, segue a lição de Rui Barbosa, citado por Adriano Almeida Fonseca (O princípio da presunção de inocência e sua repercussão infraconstitucional):
Não sigais os que argumentam com a grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito.
Dentre as regras constitucionais derivadas da presunção de inocência, está a que o ônus da prova é do acusador (art. 5º, LVII). Assim, a Constituição Federal proíbe que o legislador ordinário inverta o ônus da prova, exigindo do acusado a prova da sua inocência, sob pena de condenação em caso de dúvida, fazendo com que o Ministério Público ou o querelante tenham que alegar e provar cabalmente que o réu praticou uma infração penal sem a presença de qualquer excludente de tipicidade, antijuridicidade ou culpabilidade.
Assim, não encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que basta à acusação provar a tipicidade da conduta praticada pelo réu para que o mesmo seja condenado, inobstante haver dúvida razoável sobre uma excludente de antijuridicidade ou culpabilidade, pois tal dirimente decorreria de fato alegado pela defesa.
A dúvida sobre esta matéria defensiva não laboraria em favor do acusado, pois, como é sabido, a tipicidade é um indício da antijuridicidade, que seria presumida em face da ausência de prova em contrário.
Tal posicionamento é o mesmo que negar aplicação ao princípio in dubio pro reo, posto que a dúvida somente lhe favoreceria se estivesse relacionada com o fato que devesse ser provado pela acusação (tipicidade), havendo casos em que a dúvida seria favorável à defesa e outros em que seria favorável para a acusação.
Contudo, de acordo com o teor do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, o ônus da prova é todo da acusação, seja em relação à demonstração da tipicidade da conduta praticada pelo réu, seja em relação à demonstração de que tal conduta não foi empreendida em nenhuma das excludentes de antijuridicidade e/ou culpabilidade.
Entende-se que a aludida forma de distribuir o ônus da prova na ação penal condenatória decorre de uma interpretação errônea da 1ª parte do art. 156 do Código de Processo Penal, que dispõe: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer [...]”, o qual determina o direcionamento imediato da doutrina para a bipartição do que deve ser alegado e provado pela acusação e do que deve ser alegado e provado pela defesa.
Todavia, isto se traduz em um grande equívoco, pois a divisão da infração penal em elementos e/ou requisitos tem uma finalidade meramente metodológica na ciência penal, na medida em que o crime é um todo indivisível e o Estado somente poderá, processualmente, ver sua pretensão acolhida se provar que o réu praticou uma conduta típica, antijurídica e culpável, sendo qualquer presunção, nesse prisma, somente aceito se estiver expressamente determinado em lei. Isto sim se coaduna perfeitamente com a norma constitucional do art. 5º, LVII, a qual veda a declaração de culpa antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Fonte: Diretoria de Comunicação / SINSAP/MS