Os 17 prédios que se estendem pela Esplanada dos Ministérios, semelhantes na cor e nas proporções, estilo inconfundível de Oscar Niemeyer, cujos traços se repetem no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF), conferem à Brasília uma unidade que fez fama mundo afora. Mas essa uniformidade acaba por aí. Entre os funcionários que frequentam os edifícios que compõem o coração do funcionalismo público brasileiro, as diferenças são gritantes, sobretudo nos contracheques. Quando se compara os rendimentos da elite dos servidores com os da base dos trabalhadores dos Três Poderes, a distância chega a 2.115%.
O fosso salarial que separa o funcionalismo está explícito no Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento. O menor ganho é o de técnico administrativo em educação, do Executivo, com vencimento básico inicial de R$ 1.034 por mês. Já o maior salário, de R$ 22.911 mensais, é pago a juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs). O levantamento não leva em consideração os salários de ministros do Supremo — o teto do serviço público, atualizado recentemente para R$ 29,4 mil — e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de R$ 26 mil. Por uma simples razão: os cargos são preenchidos, na maioria das vezes, por indicados políticos. Não é preciso encarar um concurso. Hoje, e nos próximos dias, o Correio traçará um perfil desse funcionalismo tão diverso.
A meta é mostrar quem são as pessoas que ocupam os cargos com os maiores e os menores salários do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, como chegaram ao posto que ocupam, suas conquistas e seus dissabores. Está claro, pelos números, que, entre os Três Poderes, as maiores diferenças salariais estão no Executivo (1.600%). E mais: para tristeza de um país que precisa tanto dar um salto no conhecimento, os menores vencimentos são pagos a trabalhadores da área de educação. O topo dos rendimentos está no Judiciário e é entre os servidores da Câmara dos Deputados, do Senado e do Tribunal de Contas da União (TCU) que se observa a menor distância ente os salários. No Senado, um funcionário de nível técnico ganha, inicialmente, R$ 14,5 mil. Além do vencimento básico, o contracheque oferecido em concurso público já inclui gratificações de atividade Legislativa, de representação e de desempenho. O órgão informa que o salário inicial do nível auxiliar era de R$ 10,7 mil, mas não há mais seleção pública para tal função, que vem sendo exercida por terceirizados.
Aqueles que ingressaram como auxiliares no Senado foram alocados em outros postos de nível médio, muitos em cargos comissionados. Nenhum deles ganha menos de R$ 15 mil por mês, atualmente. Reflexo da sociedade Especialista em gestão pública, Alexandre Cunha, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não se surpreende com a discrepância nos salários do funcionalismo. A diferença, no entender dele, espelha a desigualdade da sociedade brasileira em geral e segue o exemplo do setor privado, no qual não há teto constitucional. Um funcionário da limpeza pode ganhar o salário mínimo, de R$ 724, e o principal executivo, R$ 100 mil por mês. Cunha ressalta que o grande problema no setor público é a diferença salarial em postos de igual competência. “O salário deve espelhar a produtividade.
A pessoa tem que ser remunerada conforme as suas responsabilidades. Não há motivos que justifiquem o fato de um auxiliar do Legislativo ganhar tão mais que um auxiliar do Executivo. O que há de tão discrepante entre os cargos? Quase nada. Por isso, pode-se constatar que tal disparidade é uma injustiça”, pontua. Ele acredita, porém, que esse quadro tende a mudar ao longo do tempo. “Há um movimento de pressão do funcionalismo para corrigir as distorções salariais. E o caminho será o de haver um nivelamento por cima dos vencimentos”, diz.
O quantitativo de servidores no Executivo, muito maior se comparado aos outros dois Poderes, aumenta o desafio para uma equiparação efetiva e faz com que os menores salários se concentrem nos ministérios, autarquias e fundações. Para se ter uma ideia, em 2013, o Executivo contava com 984,4 mil funcionários ativos, enquanto Legislativo e Judiciário somavam, juntos, 130,8 mil. “O Legislativo e o Judiciário têm autonomia orçamentária. Portanto, é muito mais fácil pagar salários melhores. Além disso, na Câmara e no Senado, onde são votados os reajustes salariais de todo mundo, os servidores têm acesso privilegiado aos legisladores, aumentando a pressão para que seus interesses prevaleçam”, conclui.