Além de tornar hediondo o crime de corrupção, o Brasil deve ter outra preocupação quando o caso é punição a quem desvia dinheiro público: o baixo índice de condenação e prisão dos acusados.
Segundo dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça, o país possui apenas 722 presos por corrupção, num universo de 513 mil pessoas detidas –o que dá 0,14% do total.
ANÁLISE
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Esta semana, o Senado aprovou tornar a corrupção crime hediondo. Mas especialistas consultados pelo UOL alegam que a medida não é suficiente e outros problemas explicam o baixo índice de punição.
Entre as causas para a pouca punição estariam a falta de delegacias especializadas, penas brandas (que resultam em muitas punições alternativas à prisão) e até mesmo a "modernização" da prática corrupta – que dificulta a investigação.
Não lota um presídio
Os dados do Depen são referentes a dezembro de 2012. São 30 mulheres e 692 homens, entre presos provisórios e condenados, que pagam pelo crime que se tornou uma dos maiores motivos de protesto nas ruas do país.
O número é tão pequeno, que, caso o governo quisesse, poderia usar apenas uma das penitenciárias de Franco da Rocha, em São Paulo, para manter todas as pessoas detidas pelo crime --ainda assim ficaria longe de lotarem as 852 vagas.
Outra constatação é que quem oferece propina ou vantagem é punido com muito mais rigor do que quem recebe. Ao todo, apenas 72 pessoas estão presas por corrupção passiva –que ocorre quando o agente público pede propina ou vantagem para fazer ou deixar de fazer algo.
Já o número de presos por corrupção ativa (quando alguém oferece propina ou bem para um agente público) é nove vezes maior: 650 pessoas detidas. Comparado a outros crimes de menor potencial ofensivo, o país mostra que adota critério punitivo muito maior para outros tipos de casos.
Um exemplo é que o país tem 7.902 presos por "atentado violento ao pudor", ou seja, 11 vezes mais que por corrupção. São 2.259 por uso de documento falso ou 14.040 por receptação.
Mais punição
A conclusão de especialistas consultados pelo UOL é que faltam leis mais rigorosas para punir o corrupto. "O número ínfimo demonstra que ainda precisamos evoluir na nossa legislação e na nossa cultura. Precisamos inverter a lógica. Desviar dinheiro público é incomparavelmente mais grave que roubar uma bolsa", afirmou o juiz Márlon Reis, autor da Lei da Ficha Lima e coordenador do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral).
Para o magistrado, mesmo tornando a corrupção crime hediondo, o país usa critérios injustos para punir quem se apossa de dinheiro público, em comparação a outros crimes de roubo. "Hoje uma pessoa que rouba algo de um particular é tratado com muito mais rigor que alguém que desvia verbas da saúde", disse.
A comparação de Márlon encontra ressonância nos números oficiais. O país possui 97 mil presos por "roubo qualificado" e quase 80 mil por furtos qualificados e simples. "Processos de corrupção deveriam ter prioridade na tramitação sobre todos os demais."
Mais delegacias
Para o advogado e ex-presidente Comissão Especial de Combate à Corrupção e Impunidade da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Paulo Breda, as polícias também deveriam se especializar na investigação de crimes contra o patrimônio público.
"Faltam delegacias especializadas. Se você cria, foca em um trabalho específico nesse tipo de inquérito. Assim, o caso ainda mais rapidamente, evitando a prescrição", disse.
Breda também acredita que os tribunais de Contas dos Estados deveriam ter uma atuação mais marcante. "É necessária uma mudança do nosso legislativo no funcionamento dos TCEs. As suas análises podem servir de elemento nos processos criminais, e isso ocorre muito pouco no Brasil. A formação, as indicações e pelos seus próprios históricos, eles não são hoje uma base confiável", afirmou.
Modernização
Para o professor da pós-graduação em direito eleitoral da TRE-PE (Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco), Gustavo Ferreira, as práticas corruptas sem modernizaram ao longo dos anos, o que também justificaria a dificuldade em punir os acusados.
"A condenação passa pela comprovação do ato de corrupção. Não é algo tão simples. Da mesma forma que a Justiça e a polícia avançaram, quem pratica também passou a fugir dessa investigação", disse. Ferreira também diz que o judiciário poderia ser mais célere na análise dos casos e especialmente dos recursos.
"Claro que sou favorável a uma racionalização dos recursos, mas o problema maior é estrutura do nosso judiciário para dar vazão a eles. Você tem uma estrutura muito arcaica. Acho que tornar os processos digitais seria um passo mais importante que limitar o número de recursos. Assim, você tem um trâmite mais ágil", disse.
Apesar dos baixos números e dos problemas legais e estruturais, o juiz Márlon Reis acredita que a sociedade está mais atenta ao problema da corrupção política. "Cada vez ela é menos vista como 'natural'. Essa indignação precisa se transformar em mobilização. Foi o que fizemos para conquistar a Lei da Ficha Limpa e voltaremos a fazer agora na luta pela reforma politica", disse.
Fonte: Carlos Madeiro, do UOL.
Fonte: Diretoria de Comunicação